quinta-feira, 13 de março de 2008

Chegaram as andorinhas!

Hoje mal saí de minha casa tinha uma surpresa à porta: as andorinhas chegaram. De longe, muito longe. Voaram milhares de quilómetros para vir pousar à porta de minha casa, nos fios da electricidade.

Não queria escrever hoje. Mas a chegada das andorinhas motivou-me. Tenho uma ligação afectiva muito grande com estas aves.

Quando era muito novo tinha o costume de ir caçar com o meu pai aos domingos. Ele andou em África dois anos e vinha com o "vício" da caça. Com uma arma de pressão lá íamos aos pardais. A espera debaixo das árvores dos pomares que circundam a minha casa era uma aventura. Não tinha nenhum sentimento de culpa por matar pardais, piscos, melros, ou, mais difícil carriças (pássaros muito pequenos e sempre a mexerem-se de galho em galho), gaios ou pegas.

Numas das excursões que o meu pai organizava a Espanha, comprei na cidade fronteiriça de Tui, por pouco mais de mil escudos (umas duas mil e tal pesetas, na altura), uma arma de pressão e duas ou três caixas de "chumbos" (a munição daquela arma).

A porcaria da arma tinha a mira desregulada e era raro acertar nos pássaros, ao contrário da arma de meu pai, com mira certeira.

Certo dia, junto a minha casa, próximo do local onde hoje de manhã vi as primeiras andorinhas deste ano, vi um daqueles pássaros migratórios. Peguei na minha arma de pressão espanhola, de mira desregulada, e dei a devida folga para ver se acertava naquela ave. Após o disparo a andorinha caiu abruptamente na vertical, inanimada, ensanguentada e como a seguir constatei, morta.

Já foi há muitos anos. Não sei dizer quantos. Mas este facto marcou-me para o resto da vida. Nunca mais utilizei a arma de pressão para matar o que quer que fosse. E as armas só regressaram às minhas mãos quando cumpria o serviço militar. Na altura fiquei horrorizado. "Como era possível uma ave daquelas ter percorrido milhares de quilómetros para que eu, apenas com um ligeiro toque no gatilho de uma arma de pressão, lhe tivesse retirado a vida", pensei eu.

Peguei na andorinha morta. Estive demoradamente com ela na mão. Vi uns parasitas idênticos a moscas que circulavam entre as suas penas macias, mas o meu sentimento de culpa era demasiado grande para pensar nas implicações higiénicas.

O meu prazer em caçar terminou naquele momento. Anos mais tarde, acordavam-me todos os dias por volta das seis da manhã. Estudava em Coimbra e o seu chilriar era ensurdecedor mal o céu clareava. Não conseguia dormir depois dessa hora. Era o castigo.

Curiosamente sou actualmente militante de um partido que tem como símbolo... uma andorinha.

Sei que já me perdoaram e é por isso que não imaginam a alegria que tive hoje, ao sair de casa, e vêr as descendentes daquela a quem um dia tirei a vida. Elas anunciam a primavera, a esperança no futuro, auguram coisas boas. É assim durante metade do ano, até ao dia em que se juntam e em debandada regressam ao sul.

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