quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Uma questão de varão

Antigamente as meninas casadoiras aprendiam a cozinhar, a fazer tricô, a bordar, a educar crianças e a governar o lar, treinavam um conjunto de qualidades que faziam as delícias do futuro marido. Ainda me lembro de uma iniciativa promovida pela Mocidade Portuguesa Feminina para incentivar as meninas prendadas da sociedade do antigo regime - o concurso da rapariga ideal.
Hoje as meninas continuam a sonhar com o casamento, mas em vez de bordados e de culinária, procuram outras formas de agradar aos homens e é aqui que entra em campo a dança do varão. O varão democratizou-se, deixou de ser feudo dos clubes de strip e de outras casas de fama incerta. Apesar do eterno estigma sobre as actividades lúdicas, nos meios mais evoluídos, uma prostituta não é exactamente o mesmo do que uma stripper e uma stripper não é exactamente o mesmo do que uma dançarina exótica, embora no final tudo venha a dar ao mesmo: fomentar o desejo sexual nos homens. Ora se umas botas altas, uma lingerie sexy e uma coreografia à volta de um varão de aço fazem os homens felizes, por que não fazer um show privado, surpreendendo a nossa cara-metade com uma exibição caseira, semiprofissional, esforçada e dedicada? É o conceito do home cinema, do 'faça você mesmo' ao serviço do prazer doméstico, a bem da harmonia do casal.

Há quem core de vergonha, se escude no pudor e diga 'nem pensar' enquanto tapa a boca com a mão, e há também quem se dedique de alma e corpo a entrar na dança. A frequência destes cursos é eclética: tanto podem ser candidatas a trabalhadoras de clubes nocturnos como contabilistas, professoras universitárias, advogadas, gestoras e até educadoras de infância. O varão faz com que as mulheres possam encarnar uma personagem, vestir a pele da outra, que é a sedutora, a amante, a devassa, a louca, a que usa o seu corpo para seduzir os homens e fazer deles o que quer. O mais irónico é que muitas das mulheres que frequentam as aulas do varão com devoção e afinco são as mesmas que receberam uma educação esmerada, intoxicada de preconceitos, que professava que uma senhora não faz isto e aquilo porque parece mal, bebendo desde pequenas, juntamente com o leite com chocolate, uma série de ideias feitas, entre as quais não consta enquanto qualidade a de saber pendurar-se no varão e descer de cabeça para baixo com as pernas abertas para depois se rebolar no chão, sempre de rabo espetado, e voltar a levantar-se para mais 30 voltas em redor do aço erecto.

Então por que razão aderem estas mulheres à dança exótica? Porque se querem sentir poderosas, porque querem libertar a fera que há nelas, porque se sentem livres, porque se divertem. E, já agora, porque os namorados e os maridos adoram. Nem sempre o assumem, poucas vezes o partilham com os amigos, mas a verdade é que também eles se divertem. Afinal, a teoria de Marco Paulo da lady na mesa e da louca na cama é sábia e certeira; se for possível juntar o dois em um, porque não? É tudo uma questão de varão.

Margarida Rebelo Pinto, jornal "Sol" (09/10/2009)

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Uma mãe tem de ser chata

"Uma mãe tem que ser chata. Até à hora da morte. E até depois disso: mesmo quando já se tiver mudado de armas e bagagens para o Paraíso, uma progenitora digna desse nome continua a dar ordens e a mandar vestir um casaquinho nos dias em que ameaça chover.

Uma mãe de jeito tem que pregar insuportáveis sermões, deve vender os seus VALORES e convicções sem medo de estar a ser politicamente incorrecta, confirmar se as unhas estão cortadas, apagar a televisão a meio de um episódio emocionante, desligando sem remorsos o computador se alguma das suas criaturas se recusa a ir para a cama, por se julgar na obrigação de pôr a conversa em dia com todas as amigas e inimigas. Uma mãe pode e deve mandar colocar a loiça na máquina, arrumar o quarto, e não se deve COMOVER nem um bocadinho quando ele/ela lhe diz que «todos os outros pais deixam!». Tem também de aceitar que lhe chamem forreta - afinal o que é que lhe custava sacar vinte euros ao multibanco para a entrada numa discoteca - e que «não percebe nada de nada». As mães são velhas, ponto final. E de alguém que sobreviveu à Idade da Pedra não se podem esperar conselhos úteis ao século XXI. As mães, além de chatas, forretas, velhas e gagás, também estão sempre em falta: ou não marcaram uma consulta, ou foram (ou não foram) a uma reunião da escola, ou falaram alto de mais na rua, ou baixo de mais no supermercado. É que se as mães não forem CHATAS, nunca poderão tirar a prova dos nove. E a prova dos nove é ter filhos que refilam, protestam e se recusam a submeter-se à sua autoridade, ou seja, filhos dignos desse nome. Por isso, mães de todo o mundo, unam-se para lhes darem cabo do juízo. É uma obrigação patriótica, se não queremos um planeta invadido por atadinhos, mal-educados, que cospem na sopa e não ajudam as velhinhas a atravessar a rua."
Isabel Stilwell, Notícias Magazine (06/05/2007)